Eles não estão preocupados com o preço das passagens de avião para ver
os jogos da Copa. Nem em como conseguir descobrir como chegar nas cidades dos
jogos de ônibus. Ike Manobla e Henry Flaig resolveram vir de São Diego,
Califórnia, nos Estados Unidos, até o Brasil pedalando, para ver os jogos da
Copa do Mundo.
Eles já estão há 5 meses na estrada e passaram pelo México, Guatemala,
Honduras, Nicaragua, Costa Rica e Panamá. "Eu tenho ingresso para os jogos
dos Estados Unidos, contra Gana, Portugal e Alemanha. Vou passar por Natal,
Manaus e Recife. Ike tem ingresso para um jogo em Cuiabá, Chile contra
Austrália", conta Henry. O trajeto planejado no Brasil segue o rio
Amazonas, saindo do Peru e passando principalmente por cidades pequenas.
"Eu queria ir para a Copa do Mundo do Brasil desde que ela foi
anunciada, há 5 anos. Não sei porquê, mas a paixão já estava dentro de mim anos
antes de eu me comprometer a fazer essa viagem", diz o americano
descendente de alemães. O frio na barriga começou com a classificação dos
Estados Unidos, que não foi fácil. "Fui ver um dos jogos classificatórios,
contra Costa Rica, disputado num dia de tempestade de neve. Tinha tanta neve
que não dava para ver o gol do outro lado do campo. Mais um jogo, contra o
México, e qualificamos. Eu pirei: não só ia para o Brasil, mas ia ver minha
seleção jogar", empolga-se Henry.
A ideia original de Henry era fazer um mochilão, mas no meio tempo ele
descobriu as viagens de bicicleta e se apaixonou. Conheceu o parceiro de viagem
Ike, no curso de Turismo Sustentável, na Universidade do Estado do Colorado. Durante
uma apresentação sobre formas alternativas de turismo, Henry comentou que
pretendia ver a Copa do Mundo no Brasil de bike. "Ike 'pirou' na hora e
falamos sobre a viagem depois da aula." Ike estava pensando em fazer a
Pan-Americana de moto, mas Henry rapidamente fez o amigo mudar de ideia.
"Viajando de bike você tem a experiência completa. De avião e ônibus, você
está tão rápido que perde a essência dos lugares." O projeto virou o
Sustainably South, algo como "Rumo ao Sul de forma sustentável".
Como a viagem é frugal, os ciclistas não estão com medo da inflação dos
serviços no Brasil, ligada à Copa. "Não somos turistas tirando duas
semanas de férias do trabalho. Por algum tempo, viajar com orçamento baixo vai
ser nosso estilo de vida", conta. "Vamos ver quando chegarmos aí. Mas
o transporte é por força humana e acampamos todas as noites", conta Henry.
"Muitas vezes pedimos para acampar no quintal e somos convidados para o
jantar", conta. A aventura inclui dormir em lugares estranhos, como
florestas, praias, desertos, montanhas, beiras de rio, campos, bombeiros ou
quartéis, igrejas, casas de família e prédios abandonados. "Já dormimos
até em arenas, telhados e até numa estufa."
Claro que a hospedagem inusitada rende momentos únicos. Na Nicarágua, os
ciclistas ficaram em uma fazenda de leite e ajudaram na ordenha. "Nesse
dia, esprememos leite fresco direto no café. Não dá para ter esse tipo de
experiência se você só fica em hotéis." Em Honduras, numa região muito
pobre, alguém gritou do outro lado da estrada: "Querem uma cerveja?".
O rapaz que ofereceu a bebida convidou os dois para jantarem na casa da família
dele. "A família ficou fascinada, olhando a gente montando a barraca no
quintal. Tinham pouco, mas ofereceram o que podiam." Por sorte, não
passaram ainda por nenhuma situação difícuil, embora tenham visto acidentes
terríveis na estrada. No México, presenciamos um carro tombar na estrada e
fomos parados 4 km à frente, acusados de ter causado o acidente. Os policiais
saíram do posto armados e levou uns bons minutos argumentando até eles nos
liberarem." Hoje ele e Ike dão risada do incidente, mas na hora, o medo de
ter que subordar a polícia ou apanhar de amigos do motorista não deu trégua.
Sobre Brasil, eles sabem pouco. "Sei que é o quinto maior país do
mundo, e que a religião oficial é o futebol", diverte-se Henry, que não
está confiando que seu espanhol vá dar conta aqui e pretende aprender um pouco
de português. Canhoto, ele costuma jogar de lateral esquerdo ou como zagueiro.
Contrariando a impressão que se tem no Brasil de que o futebol não é muito
popular nos Estados Unidos, ele segue a English Premier League, a Bundesliga e
a Champions League e, em Colorado, torce pelo Colorado Rapids FC. "E
quando os campeonatos europeus não estão rolando, eu acompanho o
Brasileirão."
Louco por Copa, já viu o Brasil em campo. "Estava na Alemanha em
2006, e vi Brasil e Croácia no Olympiastadion. Foi insano! Foi incrível ver
estrelas como Ronaldinho e Kaká ao vivo", conta Henry. Em 2010, ele estava
morando na Alemanha, a trabalho, e deu sorte de pegar o mesmo fuso horário da
África do Sul. "Depois do trabalho a gente sempre via os jogos mais
importantes. Fiquei arrasado com a derrota dos EUA para Gana. Por outro lado,
deu para curtir as vitórias da Alemanha até a semi-final".
A viagem já incluiu um trecho de veleiro. No Panamá, Henry e Ike foram
até o porto e começaram a trocar ideia com os marinheiros locais para tentar
conseguir uma carona até a Colômbia em troca de trabalho no veleiro. "Mas
a 250 milhas do Panamá o motor pegou fogo e o navio começou a encher de
água", conta Henry. Eles tiveram que abandonar o navio e foram resgatados
por um petroleiro indiano. "Com isso, nos atrasamos em algumas semanas.
Acabamos tendo que pegar um avião para Quito, senão ficaríamos atrasados
demais."
Mesmo o atraso não deixou a viagem mais apressada. Sempre dá tempo de
uma peladinha no meio do caminho. "No México, entramos na partida oficial
de domingo dos times de uma cidadezinha no litoral. Os mexicanos eram mais
rápidos e perdemos de 2x0, mas ganhamos cerveja das duas torcidas. Isso mostra
um pouco como o futebol é capaz de unir pessoas." De quebra, eles levam
uma bola para poder jogar onde estiverem. "Claro que às vezes estamos tão
cansados do pedal que nem pensamos em jogar."
Embora os gringos não conheçam oficialmente o "jeitinho
brasileiro", é nele que estão confiando para se virar por aqui.
"Tenho certeza que na hora as coisas vão se resolver. Quem sabe um leitor
aí queira nos hospedar?" Otimistas com a equipe americana, chuotam que ela
tem chance de vencer a Copa. "Os EUA estão num grupo interessante, em que
qualquer um dos times têm chance de ir para a próxima fase. Mas se formos
desclassificados, tudo bem. Ser torcedor é paixão, é isso mesmo. Ou você é ou
não é, não dá para fingir. E daí que não somos favoritos? O importante é que
estou fazendo a viagem da minha vida para ver essa Copa, e vou comemorar
perdendo ou ganhando. Estou louco para chegar no Brasil."
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